"Existe gente-casa e gente-apartamento. Não tem nada a ver com o tamanho: há pessoas pequenas que você sabe, só de olhar, que dentro têm dois pisos e escadaria, e pessoas grandes com um interior apertado, sala e quitinete. Também não tem nada a ver com carácter. Gente-casa não é necessariamente melhor do que gente-apartamento. A casa que alguns têm por dentro pode estar abandonada, a pessoa pode ser apenas uma fachada para uma armadilha ou um bordel. Já uma pessoa-apartamento pode ter um interior simples mas bem ajeitado e agradável. É muito melhor conviver com um dois quartos, sala, cozinha e dependências do que com um labirinto.
Algumas pessoas não são apenas casas. São mansões. Com sótão e porão e tudo que eles comportam, inclusive baús antigos, fantasmas e alguns ratos. É fascinante quando alguém que você não imaginava ser mais do que um apartamento com, vá lá, uma suíte, de repente se revela um sobrado com pátio interno, adega e solário. É sempre arriscado prejulgar: você pode começar um relacionamento com alguém pensando que é um quarto-e-sala conjugado e se descobrir perdido em corredores escuros, e quando abre uma porta, dá no quarto de uma tia louca.
Pensando bem, todo o mundo tem uma casa por dentro, ou no mínimo, bem lá no fundo um porão. Ninguém é simples. Tudo, afinal, é só a ponta de um
iceberg (salvo ponta de
iceberg, que pode ser outra coisa) e muitas vezes quem aparenta ser apenas uma cobertura funcional com qrt. sal. lavab. e coz. só está escondendo as suas masmorras."
Texto do escritor brasileiro Luís Fernando Veríssimo, em "O melhor das comédias da Vida Privada"